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MEMORANDO DE ENTENDIMENTO Nº 01/2021 ENTRE ANTAQ E CADE SOBRE O SSE OU THC2

INSEGURANÇA JURÍDICA QUE PREJUDICA A ATIVIDADE PORTUÁRIA. MEMORANDO DE ENTENDIMENTO Nº 01/2021 ENTRE ANTAQ E CADE QUE VEIO EM BOA HORA.

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Legalidade da cobrança do Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE) Ostentada pela majoritária Jurisprudência. Decisões Administrativas proferidas pelo CADE que violam as decisões judiciais. Insegurança jurídica que prejudica a atividade portuária. Memorando de entendimento nº 01/2021 entre ANTAQ e CADE que veio em boa hora.

Nos últimos anos os Terminais Portuários brasileiros sofreram uma enxurrada de ações judiciais deflagradas pelos Terminais Retroportuários Alfandegados (TRA’s), também denominados de portos secos, questionando a legalidade da cobrança da tarifa relativa ao Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE), também denominada de Terminal Handling Charge 2 (THC2), que serve para remunerar o serviço de segregação e entrega imediata de contêineres, com remoção da pilha comum do cais até o portão de saída e acomodação no veículo de carga do porto seco requisitante, com utilização de maquinário e mão de obra.

Na ótica dos TRA’s, a remuneração deste serviço adicional prestado pelo Terminal Portuário (TP) já estaria inclusa na tarifa denominada de Terminal Handling Charge (THC), anteriormente conhecida como taxa de capatazia, que é paga pelo importador ao armador para descarga da mercadoria do costado do navio até a pilha comum do Terminal Portuário.

No entanto, ao contrário das teses jurídicas aventadas pelos TRA’s, referidas cobranças não estão duplicadas, pois remuneram serviços distintos, por isso mesmo, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) editou no ano de 2012 a Resolução nº 2389, esclarecendo que o SSE não faz parte dos serviços remunerados pela box rate nem daqueles remunerados pela THC, assim estabelecendo: “Art. 9º. O serviço de entrega de cargas na importação não faz parte dos serviços remunerados pela Box Rate, nem daqueles cujas despesas são ressarcidas por meio do THC, salvo previsão contratual em sentido diverso.”

Em 19 de agosto de 2019, a ANTAQ editou a Resolução Normativa nº 34, com vigência a partir de 21 de janeiro de 2020, revogando-se a Resolução nº 2389/2012 e trazendo em seu texto a mesma normatização anterior do SSE, com a seguinte redação: “Art. 9º. O SSE na importação não faz parte dos serviços remunerados pela Box Rate, nem daqueles cujas despesas são ressarcidas por meio do THC, salvo previsão contratual em sentido diverso.”.

Na realidade, o serviço de segregação e entrega de contêiner (SSE ou THC2) é cobrado no porto organizado de Santos muito antes do advento da Lei nº 8.630, de 25/02/1993, conhecida como lei dos portos, quando a Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) explorava com exclusividade o serviço portuário. Esta cobrança tinha suporte na Resolução nº 136/89 de 14/07/89, que trazia em seu anexo a Tabela “M” que continha a seguinte redação: “Serviços Acessórios Diversos, item 20: ‘Pelo serviço de liberação de contêineres destinados aos terminais retroportuários alfandegados, conforme os documentos (conhecimentos marítimos) relacionados na respectiva declaração de transferência de contêiner …. 25,00’.”. À época este SSE tinha a denominação comum de “Taxa M-20”.

A legalidade desta “Taxa M-20”, atualmente denominada de SSE ou THC2, foi confirmada pelo E. STJ ao manter o acórdão proferido pelo extinto 1º TAC/SP, através do REsp nº 419.141/SP, 2ª Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 02/12/2002, consoante colhe-se do seguinte excerto:

“Ocorre que “a tarifa de urgência”, digamos assim, extrapola a enumeração do art. 8º, estando respaldada no Decreto 24.511, de 29/06/34, que expedido logo após o Decreto 24.508/34, admitiu no seu art. 13 que outros serviços pudessem ser realizados, mediante cobrança de um preço tarifário aprovado pelo Governo. E para a cobrança foi expedida a Resolução 136/89 que, verifica-se, não extrapolou o disposto no Decreto 24.508/34, o qual, sem ser taxativo, previu que diploma de igual hierarquia dispusesse sobre serviços outros não acobertados pela capatazia.”

Sem êxito na esfera judicial, os TRA’s protocolaram representações perante o CADE alegando que a cobrança da THC2 é anticoncorrencial.

No ano de 2005, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), acatando uma representação formulada por um Terminal Retroportuário Alfandegado (TRA) em face de um terminal portuário privado de Santos, nos autos administrativos nº 0812.007443/1999-47, decidiu que a cobrança da THC2 é anticoncorrencial, emitindo, via de consequência, comando para a sua paralisação.

Todavia, imediatamente, a 3ª Vara da Justiça Federal de Brasília anulou a decisão do CADE e a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região confirmou a sentença, nos autos da apelação nº 2005.34.00.037482-6/DF, Relator Desembargador Souza Prudente, consoante excertos que seguem:

“Na espécie, a pretensão recursal não merece prosperar, tendo em vista que restou demonstrado que não há ofensa ao direito à livre concorrência pela cobrança pela autora, na qualidade de arrendadora do terminal portuário nº 37 do Porto de Santos/SP, do serviço de segregação e entrega de contêineres. (…) Não se trata de interferência no mérito do ato administrativo conforme alega o CADE, tendo em vista que aquele se refere à margem de liberdade conferida pela lei, dentro da qual o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decide entre duas ou mais soluções admissíveis, o que não ocorre na espécie. No caso, a intervenção judicial é legítima porquanto a decisão administrativa se encontra em descompasso com a legislação de regência.

Este acórdão foi mantido pelo E. STJ, nos autos do Agravo em Recurso Especial nº 1.537.395-DF, em decisão monocrática proferida pelo Ministro Sérgio Kukina, DJe 03/06/2020, que negou provimento ao agravo manejado pelo CADE.

No mesmo diapasão, já decidiu o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na apelação nº 0014995-56.2005.4.03.6100/SP, relatoria da Desembargadora Marli Ferreira, DJe 26/03/2015, em afastar a decisão do CADE em face de outro terminal portuário de Santos, cabendo destacar a seguinte fundamentação:

“Em suma o ato do CADE foi abusivo, relevando notar que a própria Secretaria de Direito Econômico-SDE manifestou-se favoravelmente à cobrança do THC-2. Anote-se que as sanções impostas pelo CADE não podem subsistir pois não houve qualquer prejuízo à livre concorrência; não ocorreu dominação de mercado, como pretende a ré;”

Ademais, desde o ano de 2016 até o momento, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo acumulou robusta jurisprudência, com mais de 15 (quinze) acórdãos oriundos de 8 (oito) Câmaras distintas, declarando ser legal a cobrança da SSE ou THC2 e afastando qualquer infringência ao direito econômico e a concorrência.

Cabe destacar aqui, o acórdão proferido pela 14ª Câmara de Direito Privado do TJSP, da lavra da Desembargadora Lígia Araújo Bisogni, nos autos da apelação nº 0009820-26.2011.8.26.0562, DJe 26/06/2017, envolvendo todos os terminais portuários privados de Santos e a própria CODESP, donde se extrai o seguinte excerto:

“A questão concorrencial, embora não seja o debate dos presentes autos, até porque envolve análise pelo órgão competente (CADE), já foi devidamente repelida pela Justiça Federal em acórdão proferido no proc. n. 0014995-56.2011.4.03.6100 que afirmou efetiva prestação dos serviços geradora de custos que não fazem parte o serviço básico de movimentação de cargas, reconhecendo inclusive a relação jurídica entre as partes. Com efeito, ao ser utilizado os terminais retroportuários, o operador portuário movimenta, segrega e entrega a carga para outro recinto que não o do terminal onde a carga desembarcou. Embora não haja de fato contrato escrito, é incontroverso que referido serviço é realizado, devendo ser de alguma maneira remunerado por aquele beneficiado pelo deslocamento da mercadoria, no caso, a Marimex.”.

Este acórdão acima mencionado foi mantido pela Segunda Turma do E. STJ, nos autos do AgInt no Agravo em Recurso Especial nº 1.441.228/SP, da lavra do relator Ministro Mauro Campbell Marques, inclusive com o trânsito em julgado.

Também merece destaque, a ação civil pública promovida pelo IDUSP – Instituto dos Usuários de Serviço Público em face de todos os operadores portuários de Santos, que ao final foi julgada improcedente. Nesse caso, a 37ª Câmara de Direito Privado do TJSP, da relatoria do Desembargador Roberto Mac Cracken, apelação nº 9139157-20.2009.8.26.0000, negou provimento ao apelo do instituto, cabendo destacar o seguinte entrecho da ementa:

“(…) infere-se que a cobrança da tarifa de segregação e entrega de contêineres, conhecida como THC2, não configura ofensa à livre a concorrência, à ordem econômica e aos consumidores – Cobrança que remete ao período anterior à privatização do Porto Organizado de Santos, em que a CODESP atuava diretamente na movimentação e entrega de contêineres aos recintos alfandegados, não se tratando, assim, de criação dos Operadores Portuários privados – Autoridade Portuária incumbida de coibir práticas lesivas à livre concorrência concebe a cobrança da THC2 como legítima, inclusive regulando e fiscalizando os preços cobrados dos recintos alfandegados – Não configuração de ofensa aos preceitos dispostos na Lei 8.884/94, nem lesão a interesses difusos”

Ao recurso especial do IDUSP foi lhe negado provimento, em decisão monocrática do Ministro Herman Benjamin do E. STJ, nos autos do REsp nº 1.399.761-SP, DJe 06/11/2015, com o seguinte teor:

“A irresignação não merece prosperar. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem, se reportando ao entendimento adotado pelo Juízo de piso, entendeu que a cobrança da tarifa em discussão (THC2) decorre de uma nova etapa de trabalho, que requer a disponibilização de maquinário, mão de obra e tempo extra. Estabeleceu, outrossim, que tal taxa não é uma inovação, porquanto já cobrada anteriormente pela CODESP e, ainda, que existe fiscalização de forma a coibir possíveis práticas lesivas à livre concorrência (fls. 2380-2385/e-STJ). Nota-se que todas as conclusões do Tribunal de origem derivam de esmerada análise do contexto fático-probatório, razão pela qual o acolhimento da pretensão recursal é obstado pela Súmula 7/STJ. Ademais, a legalidade da fixação de alíquotas da Taxa de Armazenagem Portuária por meio de portaria ministerial já foi reconhecida por esse Superior Tribunal de Justiça, por via de consequência, é incabível a pretensão da parte recorrente de obter a declaração de sua ilegalidade.”

Mesmo diante deste quadro de consolidação da jurisprudência, chancelada pelo Superior Tribunal de Justiça, como acima exposto, o CADE, infelizmente, não alterou o seu entendimento sobre a matéria, promovendo novas decisões administrativas para coibir a cobrança da THC2, porém, sem qualquer resultado prático, considerando, que os terminais portuários, novamente, buscaram a Justiça Federal para suspendê-las e anulá-las, consoante se infere da recente ação anulatória nº 1005826-43.2019.4.01.3400 julgada procedente pela 17ª Vara Federal de Brasília e ação anulatória nº 1023375-03.2018.4.01.3400 julgada procedente pela 4ª Vara Federal de Brasília.

Parece incrível e até mesmo inacreditável, que um órgão de estado da envergadura do CADE não se atente sobre a supremacia do Poder Judiciário, claramente estampada na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXV, da CF), provocando, há décadas, reiterada insegurança jurídica, com imposição de pesados prejuízos financeiros aos operadores portuários de todo o país, esquecendo-se, que o setor portuário é um dos mais relevantes para a economia do nosso país.

Entrementes, no último dia 17 deste mês, parece-me que um raio de luz pairou sobre este tema, sob a liderança inteligente e moderada do Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, reuniram-se na sede da ANTAQ o Presidente do CADE e o Diretor-Geral da ANTAQ e assinaram em conjunto o Memorando de Entendimento nº 01/2021, para o fim de reconhecerem a legalidade da cobrança da SSE prevista na Resolução Normativa ANTAQ 34/2019, externando, que referida cobrança por si só não constitui um ato ilícito.

Reconheceu-se também, que a SSE ou THC2 é um serviço efetivamente executado pelos terminais portuários e que deve ser remunerado, outrossim, qualquer abusividade em sua cobrança terá atuação conjunta e harmônica da ANTAQ e CADE.

A ANTAQ publicará até setembro de 2021 a metodologia para identificação de abusividade na cobrança da SSE.

Enfim, o mote deste entendimento foi a segurança jurídica. O Ministro realçou que a insegurança jurídica afasta os investimentos.

O Ministro pontuou que há um tripé que garantirá o sucesso do setor portuário que é: a) investimento, b) segurança jurídica e c) redução da burocracia.

Diante deste entendimento, diga-se de passo, louvável, espera-se o imediato arrefecimento da litigiosidade sobre este preço público (SSE ou THC2), porquanto, neste memorando o CADE reconhece a existência do serviço e a licitude da cobrança, motivo pelo qual, salvo melhor juízo, caberá a ele comunicar este reconhecimento em juízo nos processos em que é parte para os efeitos de direito, inclusive, sobre a própria desistência de recursos, caso ele se encontre na posição de recorrente.    

Em suma, o Memorando de Entendimento nº 01/2021 veio em boa hora para o bem da segurança jurídica e do setor portuário, pois neste momento de grave crise sanitária e de grandes desafios que ainda estarão por vir, nada melhor do que respirar sob os auspícios de uma regulamentação clara e sem interferências inócuas e despropositadas que afetem o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, afinal, conforme disse o Ministro da Infraestrutura, ainda há 17 (dezessete) arrendamentos portuários para serem leiloados.

Autor: JOSÉ CARLOS DA ANUNCIAÇÃO, advogado, Presidente do Instituto de Direito Tributário e Administrativo – IDITA, especialista em direito administrativo e constitucional pela Escola Paulista de Direito – EPD, cursou mestrado em direito tributário pela Universidade Mackenzie nos anos de 1993/1995.


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